Sentada na sala de espera, minhas pernas grudavam no tecido de couro da poltrona, enquanto aguardava a primeira consulta ao oncologista.  Nunca havia passado por minha cabeça frequentar aquela ala do hospital. Olhava assustada as placas que indicavam Centro de Oncologia, Ambulatório Oncológico e Box. Enquanto pensava se seria eu a paciente.

Em anos anteriores, quando frequentava o hospital somente para exames de rotina, ao olhar alguém de turbante ou sem cabelos, sentia algo diferente, talvez uma piedade ou algum sentimento de fragilidade que remetia ao sofrimento de minha avó materna, quando enfrentara, aos seus 80 e poucos anos, um câncer de mama. O fato é que eu não conseguia me ver como uma paciente oncológica. Naquele momento, tentava me preparar para ouvir do médico que talvez tivesse que me submeter a sessões de quimioterapia e ficar suscetível aos seus efeitos.

Levantei de supetão.

– Aonde você vai? perguntou minha irmã que me acompanhava à consulta.

– Ao banheiro.

– Ah ok, mas não demore, porque podem nos chamar.

Nesse momento, pensei porque tanta pressa para coisas que não estava preparada para ouvir.

Ao entrar no banheiro, me deparei com o espelho. A imagem refletia meus cabelos dourados que cobriam meus peitos recém operados, contrastando com a blusa azul clara. Os fios não eram grossos e já estavam desgastados nas pontas em razão das sucessivas descolorações. Mas eram a moldura que enfeitava meu rosto e não queria perdê-la.

Ouvi minha irmã bater.  Era hora da consulta. Chegamos perto do balcão onde estavam as enfermeiras. Uma delas solicitamente perguntou:

– Quem de vocês duas vai passar pelo doutor Artur?

Por um instante pensei em poder trocar de lugar com minha irmã. Em seguida olhei para ela, enxerguei-a envolta em seus cabelos lisos, negros e brilhantes e percebi que teria que ser eu a enfrentar esse momento.

De frente ao doutor, com as mãos cruzadas e o corpo pendendo para a frente, escutei a palavra quimioterapia pela primeira vez.  Mediante a notícia de ser necessária a realização imediata do tratamento, a cabeça formou um vácuo de ar, e tudo o que o médico me falava ecoava em um vazio.

De forma direta, me comunicou que em breve ficaria careca. Foi logo indicando diferentes locais de confecção de perucas, como se isso fosse a solução para esse problema.

Ao voltar para a casa, senti que iria precisar de ajuda, não só de minha irmã, mas de todos que estivessem ao meu redor. Peguei o telefone e comecei a ligar sucessivamente para minhas amigas. Elas se prontificaram a me ajudar na busca de uma solução para a falta de cabelos, como se uma peruca resolvesse toda a situação. Mas de qualquer forma, fiquei feliz com a intenção delas. Paty, que há muito havia passado por um câncer, me sugeriu cortar o cabelo para que não sentisse a diferença no comprimento, quando chegasse a hora de ficar careca. Refleti e achei ideia boa. Marquei o corte em um cabelereiro renomado e resolvi cortar Chanel, porque mais curto que isso, naquele momento, seria impossível. Após o corte, lágrimas escorreram em meu rosto. Não conseguia me ver sem cabelos. A imagem de Carolina Dieckmann em “Laços de Família”, imediatamente me veio à cabeça.

Naquela noite, antes de dormir, pensei o que tinha feito para receber essa punição. Qual seria minha reação diante da falta dos cabelos? É o que vou contar a vocês nas próximas páginas da vida.

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