11 3721-5317 | 11 98822-6266

Author Anna Maria Mello

Em 2015, descobri um nódulo na mama esquerda. Mas naquele momento, eu ainda não sabia o quanto esse fato ressignificaria minha vida.

Sou Anna Maria Mello, escritora, palestrante e ativista da causa contra o câncer. A vontade de escrever surgiu na infância, quando minha mãe e avó me contavam histórias, antes de dormir. Seus hábitos me tornaram uma amante e incentivadora da escrita e leitura.

Curiosa por natureza, sempre tive vontade de aprender coisas novas, conhecer pessoas e lugares diferentes, mas eu não sabia nada sobre o câncer; esse universo ainda era distante para mim.

Ao descobrir o nódulo, fui imediatamente ao ginecologista, que me encaminhou para a realização da mamografia e de um ultrassom das mamas. Ao realizar esses exames, descobri microcalcificações nas imagens. E a nota da mamografia foi BI-RADS 4, o que significava que teria 80% de chance de ser benigno.

Diante desse resultado, houve a necessidade da realização de uma biópsia, chamada mamotomia. Fui acompanhada da minha irmã, o que me deixou mais segura. Dessa forma, o suporte da família e dos amigos foi muito importante durante todo o processo de tratamento.

Constatado pela biópsia que era um carcinoma ductal invasivo de grau 3, não me deixou dúvida da necessidade imediata da cirurgia. Mediante esse diagnóstico, meu único pensamento foi o de me ver livre daquele alien, que habitava meu corpo. Apesar de todos os cuidados, apresentei complicações pós-cirúrgicas, que me impediram de realizar a cirurgia de reconstrução das mamas.

Durante esse período, foi necessária a realização de uma série de sessões de quimioterapia e radioterapia, o que me abalou física e emocionalmente, mas em nenhum momento pensei em desistir do tratamento.

Abraçando com coragem esse processo e determinação, busquei forças para me formar em um curso de capacitação de voluntariado de câncer de mama, realizado pelo UNACCAM (União e Apoio no Combate ao Câncer de Mama).

No momento em que meu cabelo caiu todo, por conta da quimioterapia, decidi incentivar as famílias, que também se encontravam frente a esse desafio. Percebi que não era só o paciente que adoecia com o câncer, mas toda a família.

Foi esse o motivo que me levou a escrever o livro, de título “Cabelos vão, cabelos vem, o que é que a mamãe tem?”, que além de ser um apoio às famílias envolvidas nessa causa, tornou-se um projeto de cunho social, em que toda a renda é revertida para a causa.

Hoje, a obra trouxe outro sentido à minha vida, mas essa é uma outra história, como muitas outras que vocês acompanharão por aqui.

Veja também:
Read More

Era uma manhã de março de 2016, uma como tantas outras difíceis que passei, enquanto fazia as sessões de quimioterapia.

Contava até três e me encorajava a sair da cama e ir até o banheiro. Era nesse espaço que eu encarava o grande vilão, o espelho. Aquele dia foi ainda mais difícil do que os outros. Olhei para minha imagem e não me reconheci. Estava acostumada com a falta dos cabelos, mas agora não possuía nem sequer um pelo no corpo. Sem sobrancelhas e com olhos avermelhados, me senti igual a um coelho paralisado, à frente de um predador. O que fez a minha autoestima, já bastante abalada, cair ainda mais.

Diante disso, eu precisava fazer alguma coisa, e um bom começo seria compreender melhor aquela doença. Foi então que busquei ajuda de uma ONG, Unaccam1, para entender melhor sobre o câncer de mama, mas ainda não sabia que o curso oferecido não era só para pacientes curiosos como eu. Tratava-se de um programa para capacitação de voluntariado, com duração de quatro meses. Eu quase desisti no primeiro dia, mas hoje sei que o acolhimento das pessoas pertencentes àquele grupo foi responsável pela minha permanência. Esse curso serviu para não só adquirir conhecimentos, como também conviver com várias pessoas que gerenciavam ONGs e já eram voluntárias, além de pacientes. Ao assistir algumas aulas, despertou em mim o desejo de ajudar. No início, minha contribuição seria arrecadar doações para essas ONGs, que mais tarde se tornariam minhas parceiras. Na ocasião do meu aniversário, ao invés de presentes, solicitei aos amigos e familiares que me enviassem kits de higiene básica, que foram doados a pacientes do Sistema Único de Saúde – SUS. Com isso, aprendi que ações como essa me trazem prazer, tornando-se um projeto de vida. Foram esses planos que me fizeram levantar melhor nas manhãs seguintes. Assim, nasceu AMMELLO (que nada mais é que a minha assinatura), e com ela, a necessidade de um site para contar um pouco da minha história e dar credibilidade a quem não me conhece. O projeto cresceu, e com ele novas campanhas são realizadas, mês a mês, conforme as necessidades das ONGs parceiras. E não parei por aí.

Foi quando, após uma visita inesperada da minha afilhada de cinco anos, que ao me ver careca, ficou muito assustada, senti a necessidade de explicar o que estava acontecendo comigo. Essa cena não me saiu da cabeça, por dias. E foi então que surgiu a ideia de escrever um livro para apoiar as famílias que passam por essa doença. Considerando que escrever para crianças é mais difícil do que para adultos, por elas ainda não possuírem o discernimento dos fatos, fiz dez versões do mesmo. Consultei duas psicólogas e um oncologista, que com seus pareceres, contribuíram para enriquecer a história. “Cabelos vão, cabelos vem. O que é que a mamãe tem?” trata-se de um livro de ficção, baseado em fatos reais, vivenciados por mim e minhas filhas, trazendo cenas reais. A protagonista, Clara, de cinco anos, conta suas experiências, após a mãe ter sido diagnosticada com câncer. O enredo passa mensagens de amor e solidariedade ao próximo, o que o torna indicado para todas as idades. A obra faz parte desse projeto social, e todo lucro é revertido para as ONGs parceiras. Além de ter o compromisso de enviar os originais às famílias que necessitam de apoio.

A fim de ilustrar ainda mais o projeto, tive a ideia de trazer os personagens do livro em forma de bonecos de crochê e pano, confeccionados por pacientes oncológicos. O que lhes oferece além de ajuda financeira, um projeto de vida.

E os planos não param por aí! Aguardem as próximas páginas da vida…

1 A UNACCAM foi criada em 29 de agosto de 2001 com o objetivo de atuar no combate do câncer de mama em todo o Estado de São Paulo. Essa instituição é composta por donas de casa, aposentados, estudantes, professores, médicos, advogados, psicólogos, pedagogos, jornalistas e profissionais liberais que se identificam com o objetivo proposto. Mais informações no site: http://www.unaccam.com.br/

Veja também:
Read More

Recostada no espaldar da cabeceira de minha cama, meus cabelos compridos escorriam sobre a toalha de banho. Respiração ofegante, parecia ter corrido uma maratona. Como de costume, fui sempre orientada pela minha mãe a apalpar as mamas, em razão de vovó ter falecido de câncer de mama. Naquele dia, me encontrava com as mãos sobre os peitos, dos quais me orgulhava tanto, por seu formato e tamanho. Meus dedos finos, porém, ágeis, percorriam em formato circular, primeiro, a mama direita, que desde os meus 35 anos, já apresentava um nódulo, diagnosticado como benigno por diversas mamografias, que usualmente realizava. Mas, foi somente ao apalpar a mama esquerda, que encontrei um nódulo diferente. Pensei, por um instante, que poderia ser maligno, pois, ao apalpá-lo, senti uma pequena dor. Mas logo fui tomada por pensamentos positivos e segui nas minhas atividades já programadas para aquele dia.

Era 29 de Agosto de 2015, e em menos de um ano, havia realizado um exame de mamografia, que não revelou nenhuma alteração, porém, aquele caroço na mama esquerda não me saía da cabeça, e resolvi procurar meu ginecologista para tirar essa dúvida. Ao telefonar, marquei o primeiro horário disponível, sem sequer consultar minha agenda, considerando que o melhor a fazer era ir o mais rápido que pudesse.

No consultório, o médico, examinando minhas mamas, tranquilizou-me, ao falar do formato arredondado do nódulo, uma possível indicação de benignidade. Mas, para mim, esse pré- diagnóstico não foi suficiente. Com isso, decidida a averiguar mais a fundo, reuni as guias dos receituários para que pudesse realizar os exames. Primeiramente, marquei a mamografia e depois um ultrassom. E foi durante esse último exame, que a médica com o aparelho nas mãos e os olhos fixos na tela do computador, falou-me de uma possível suspeita de malignidade, e que muito provavelmente, meu ginecologista pediria uma biópsia mais específica, uma mamotomia. Foi a primeira vez que ouvi essa palavra e confesso que ela me assustou. Mas, obstinada por uma resposta, marquei a biópsia no Sírio Libanês, de acordo com meu convênio médico e a reputação do hospital. Na sequência, fui informada da necessidade de levar uma acompanhante no dia do exame. Foi quando não hesitei em chamar minha irmã, Rita, e contei a ela, da possível desconfiança, pois necessitava de um apoio psicológico, e naquela altura, a palavra câncer já passava pela minha mente.

Foi durante o exame, que o médico retirou do nódulo algumas partes para que fosse realizada a biópsia e, ao mesmo tempo, me perguntou se eu já tinha um mastologista. Como era leiga no assunto, nunca tinha ouvido falar nessa especialidade médica. Ao seguir seu conselho, pedi algumas recomendações a uma amiga e liguei para marcar uma consulta. Apesar de confusa, ao mesmo tempo queria saber do que se tratava, mas senti medo de enfrentar o momento, caso o diagnóstico fosse positivo para a malignidade. Pressentindo uma má notícia, a palavra câncer aproximava-se cada vez mais de mim. E algo me tocava no íntimo.  Precisava agir rápido e assim o fiz. E é o que eu vou contar nas próximas páginas da vida.

Veja também:
Read More

Olá, como a maioria já sabe,  sou Anna Maria Mello, participante do Páginas da Vida – De Paciente Para Paciente, aqui do Instituto Espaço de Vida.  Mas hoje não estou aqui para contar minha história, eu estou aqui para te convidar a celebrar comigo a vida e o aniversário de 1 ano da Ammello – novo projeto de vida que no auge da quimioterapia, pós-mastectomia radical e perda total dos cabelos, me resgatou como pessoa capaz de transformar um momento difícil, em oportunidade de crescimento e realização. E é essa a mensagem principal que quero deixar neste texto: todos temos, dentro de nós, essa capacidade de transformação!

A Ammello é uma iniciativa social e voluntária, em prol de ações de apoio ao paciente em tratamento oncológico e familiares, também, de combate e conscientização para a prevenção do câncer. É muito amor, carinho e força envolvidos e engajados nessa luta, junto com tantos outros lutadores (ONG’s, Institutos, Grupos de Apoio, pessoas, todos agentes voluntários), nos transformamos todos em célula proativa que trabalha como pode, do jeito que pode, para atingir e beneficiar o máximo de pessoas possível, que tanto necessitam de apoio e orientação para superar os desafios do tratamento do câncer e vencê-lo! Você e todos aqueles que acreditam nessas ações, participando e contribuindo de alguma forma, também são agentes de transformação. Você forma, conosco, esse núcleo proativo, fornecendo a energia de que precisamos para agir e seguir em frente, apoiando, ensinando e transformando a sociedade. Estamos todos juntos, por isso é que: #somostodosagentesdetransformacao!

Agora apresento a campanha de aniversário da Ammello. Mas antes, quero agradecer ao Instituto Espaço de Vida e a todos os parceiros e doadores que, desde o início, são fundamentais: abrindo portas, doando, divulgando nossa iniciativa nas redes sociais, deixando uma mensagem de carinho… Não importa, qualquer ação positiva nos incentiva a caminhar para frente. MUITO OBRIGADA! A campanha chama #AniversarioSolidarioAmmello. Quem puder participar desse evento virtual, seja doando nosso #valepresentesolidario, seja divulgando e compartilhando essa iniciativa, muito obrigada! Todo incentivo nos ajuda a expandir o projeto, e a atingir cada vez mais pessoas, por meio do apoio psico-pedagógico doado à famílias com paciente em tratamento, especialmente mamães e crianças.

Conheça mais a campanha no meu blog:  www.ammello.com/aniversariosolidarioammello

Veja também:
Read More

Sentada na sala de espera, minhas pernas grudavam no tecido de couro da poltrona, enquanto aguardava a primeira consulta ao oncologista.  Nunca havia passado por minha cabeça frequentar aquela ala do hospital. Olhava assustada as placas que indicavam Centro de Oncologia, Ambulatório Oncológico e Box. Enquanto pensava se seria eu a paciente.

Em anos anteriores, quando frequentava o hospital somente para exames de rotina, ao olhar alguém de turbante ou sem cabelos, sentia algo diferente, talvez uma piedade ou algum sentimento de fragilidade que remetia ao sofrimento de minha avó materna, quando enfrentara, aos seus 80 e poucos anos, um câncer de mama. O fato é que eu não conseguia me ver como uma paciente oncológica. Naquele momento, tentava me preparar para ouvir do médico que talvez tivesse que me submeter a sessões de quimioterapia e ficar suscetível aos seus efeitos.

Levantei de supetão.

– Aonde você vai? perguntou minha irmã que me acompanhava à consulta.

– Ao banheiro.

– Ah ok, mas não demore, porque podem nos chamar.

Nesse momento, pensei porque tanta pressa para coisas que não estava preparada para ouvir.

Ao entrar no banheiro, me deparei com o espelho. A imagem refletia meus cabelos dourados que cobriam meus peitos recém operados, contrastando com a blusa azul clara. Os fios não eram grossos e já estavam desgastados nas pontas em razão das sucessivas descolorações. Mas eram a moldura que enfeitava meu rosto e não queria perdê-la.

Ouvi minha irmã bater.  Era hora da consulta. Chegamos perto do balcão onde estavam as enfermeiras. Uma delas solicitamente perguntou:

– Quem de vocês duas vai passar pelo doutor Artur?

Por um instante pensei em poder trocar de lugar com minha irmã. Em seguida olhei para ela, enxerguei-a envolta em seus cabelos lisos, negros e brilhantes e percebi que teria que ser eu a enfrentar esse momento.

De frente ao doutor, com as mãos cruzadas e o corpo pendendo para a frente, escutei a palavra quimioterapia pela primeira vez.  Mediante a notícia de ser necessária a realização imediata do tratamento, a cabeça formou um vácuo de ar, e tudo o que o médico me falava ecoava em um vazio.

De forma direta, me comunicou que em breve ficaria careca. Foi logo indicando diferentes locais de confecção de perucas, como se isso fosse a solução para esse problema.

Ao voltar para a casa, senti que iria precisar de ajuda, não só de minha irmã, mas de todos que estivessem ao meu redor. Peguei o telefone e comecei a ligar sucessivamente para minhas amigas. Elas se prontificaram a me ajudar na busca de uma solução para a falta de cabelos, como se uma peruca resolvesse toda a situação. Mas de qualquer forma, fiquei feliz com a intenção delas. Paty, que há muito havia passado por um câncer, me sugeriu cortar o cabelo para que não sentisse a diferença no comprimento, quando chegasse a hora de ficar careca. Refleti e achei ideia boa. Marquei o corte em um cabelereiro renomado e resolvi cortar Chanel, porque mais curto que isso, naquele momento, seria impossível. Após o corte, lágrimas escorreram em meu rosto. Não conseguia me ver sem cabelos. A imagem de Carolina Dieckmann em “Laços de Família”, imediatamente me veio à cabeça.

Naquela noite, antes de dormir, pensei o que tinha feito para receber essa punição. Qual seria minha reação diante da falta dos cabelos? É o que vou contar a vocês nas próximas páginas da vida.

Veja também:
Read More

Na manhã seguinte ao diagnóstico, acordei com a cabeça pesada, meu corpo afundado no colchão, como se estivesse indo em direção ao centro da terra.  Ousei pensar por um instante que o resultado dos exames poderia não acusar nada, e que o nódulo descoberto na mama esquerda não seria maligno. Talvez, poderia não passar de um mal-entendido. Decidida a levantar sem tocar no assunto com ninguém da minha família, fui ao supermercado, ao banco e levei minha filha caçula, Carol, ao fotógrafo para escolher as fotos de seus 15 anos. Isso sim era importante e urgente para uma adolescente.

No fotógrafo, olhava para computador, onde estavam sendo apresentadas as fotos. As figuras pareciam com as que via quando pegava os óculos emprestados de minha avó, e meu pensamento focava no resultado do exame.

Ao sair, deixei a Carol em um ponto de ônibus próximo para ela se dirigir à casa do pai, sem que tivesse ideia do que acontecia. Olhava através da janela do carro a paisagem que passava em câmera lenta; tudo ficava tão distante: as imagens, aquela doença, o câncer, que parecia não me pertencer. Ao chegar em casa, não titubeei em pegar o celular e teclar para minha irmã. Eu não podia mais me calar. Ela se prontificou a conversar sobre o assunto e dirigiu rumo à minha casa. Nos sentamos em frente à TV, e ela desatou a falar, evitando perguntar o que estávamos fazendo ali. Contou dos filhos, escola, cachorro. Reclamou da falta de tempo até para comer. Sem saber o que dizer, fiquei apertando os joelhos com as mãos. Só tinha vontade de me aninhar em seu colo, como quando a criança busca a mãe para se proteger. Embora eu tenha perdido a minha cedo, a lembrança dela, nesse momento, surgiu na figura de minha irmã. Por um instante, tive a sensação de ela estar ali presente, e foi isso que me confortou.

Permaneci imóvel no sofá. Sentia-me cansada como se tivesse corrido uma maratona.  Faltava –me coragem para tocar no assunto. Resolvemos então alugar um filme no canal a cabo. Escolhemos aleatoriamente e não nos atentamos em ler o resumo. Naquele momento, não podia imaginar que o tema se tratava de uma história de um menino diagnosticado com câncer. Conforme o filme decorria, percebemos qual era o tema. Lágrimas escorreram do rosto de minha irmã, e meu corpo gelou por inteiro. Pensamos em dar uma pausa, mas resolvemos assistir até o final. Eu, por ter a curiosidade de saber se o menino iria sobreviver; ela, talvez, por não ter coragem de tocar no assunto.

Quando o filme chegava no final, ouvi a porta da frente bater. Era Julia, minha filha mais velha, que chegara do trabalho, e sem falar uma palavra se jogou no sofá ao lado de minha irmã, cumprimentando-a e abrindo um sorriso amarelo.  Carol, a mais nova, encontrava-se na companhia do pai.

Sem pensar muito sobre o assunto, fui discorrendo sobre outras histórias. Estava ganhando tempo, adquirindo coragem para contar sobre a doença. Quando acabaram as palavras, de supetão, falei sobre o câncer. E a única pergunta que Julia me fez era se eu iria operar logo.

Abraçamo-nos fortemente, e ela não derrubou nenhuma lágrima, o que me fez duvidar se havia compreendido a gravidade da situação. Continuei por alguns instantes imóvel no sofá, ao lado dela, imaginando o que seria sua vida sem mim. Mas ao vê-la mergulhar profundamente nas teclas do celular, percebi o quanto ainda tínhamos que conversar a respeito, e eu ainda deveria contar à Carol sobre a doença, e como ela reagiria? É o que vou contar a vocês nas próximas páginas da vida.

Veja também:
Read More

O que você quer ser quando crescer? Quem nunca ouviu essa pergunta quando pequeno. Eu deveria ter por volta de quatro anos, quando escutei pela primeira vez. Levei a sério e pensei sobre o assunto durante dias. Perguntei aos meus primos e amigos da escola o que eles haviam respondido e ouvi as mais variadas respostas, que foram de astronautas a bombeiros, médicos, dentistas, engenheiros até advogados. Mas nenhuma dessas profissões me tocava o coração.  Um dia, ao ver minha avó escrevendo uma carta a uma amiga distante, percebi que era nas palavras que eu queria depositar meu futuro. Mas eu não sabia como se chamava essa profissão. Resolvi então perguntar a uma colega de escola, que devia ter a mesma idade que eu, e ela respondeu: – Acho que é carteira essa tal profissão que escreve. E eu, desde esse dia, com orgulho passei a responder que queria ser uma carteira, e em troca de aplausos, escutava gargalhadas dos mais velhos.  Porque riam de uma profissão tão bonita, pensava eu, enquanto zombavam de mim.

Com o passar do tempo, descobri que queria ser escritora, mas a vida me empurrou para outras profissões, sem me ouvir. Assim, deixei meu sonho de lado.

Durante o tratamento, quando estava realizando as quimioterapias, já sem cabelos, sem mamas e quando ao me enxergar no espelho não me reconhecia mais, senti a necessidade de buscar algo mais profundo. Alguma coisa que fosse além da aparência. Foi então que comecei a pensar em minha essência, buscando dentro de mim o que fosse  verdadeiro e entendendo que só assim poderia me identificar por completo.

Foi nesse momento que peguei uma caneta e sobre o papel rascunhei pensamentos. Eu, que tive a coragem de enfrentar o câncer, agora me sentia forte para arriscar e me lançar ao mundo, através das palavras. Acreditando em meu potencial, fiz dele um projeto de vida . E em outubro de 2017 lancei meu primeiro livro infantil, direcionado a apoiar as famílias na abordagem sobre o câncer. “Cabelos vão Cabelos vêm o que é que a mamãe tem” tornou-se muito mais que um livro. Hoje faz parte de um projeto social, em que tenho amparado muitas famílias que passam por esse problema. Levando apoio a outras cidades, chegou ao Rio de Janeiro, Minas Gerais e interior de São Paulo.

Sempre acreditando que nada era impossível, o livro ultrapassou as fronteiras da América e foi lançado, este mês de junho, na feira do livro em Portugal. Uma experiência realmente maravilhosa que irei contar para vocês nas próximas páginas da vida.

Veja também:
Read More

Há três anos, no mês do Outubro, em meio a fitas cor de rosa, estava eu sendo submetida à minha primeira cirurgia de mamas. Como trabalhava com eventos, resolvi aderir aos laços, como forma de participar, ativamente, desse movimento.

Pela primeira vez, percebi a grandiosidade da campanha e como ela poderia ajudar outras mulheres a se prevenirem. Lendo a respeito, percebi que noventa por cento das mulheres que obtiveram a cura do câncer de mama, foi devido ao diagnóstico precoce.

Infelizmente, essa não foi a minha história. Descobri a doença em um estágio intermediário. Com isso, os médicos resolveram optar por uma mastectomia radical. Isso fez com que me sentisse mutilada, porém, mais forte para defender essa causa.

Quando descoberta no início, o tratamento dessa doença também se torna mais ameno. Conforme o caso, se o tumor ainda estiver encapsulado, poderá ser curado apenas com a cirurgia. No meu caso, tive que realizar muitas sessões de quimioterapia, o que ocasionou a perda do cabelo, e mais tarde, dos pelos, em todo o corpo.

Somente quando sentimos na pele algo tão agressivo, é que percebemos a importância dessa campanha.

Os laços pregados em meu peito passaram a ter outro significado. Agora, inflados como uma bandeira.

Luto pela causa. Busco pela conscientização das mulheres de mais de quarenta anos, para que façam seus exames de mamografia, anualmente, a fim de plantar uma semente de conhecimento sobre o câncer de mama.

Veja também:
Read More

Debruçada sobre o beiral da janela, olhava as luzes que piscavam. Era uma quantidade absurda, o que tornava a rua toda iluminada. Lá fora, jovens cantavam em grupo, crianças passeavam de mãos dadas com seus pais, pessoas passavam com sacolas nos braços e esbarravam-se, atropelando umas às outras. Era Natal. Imaginava como se sentiriam felizes ao comprar aqueles presentes, encontrar seus amigos em festas de final de ano, brindar a entrada de 2016 com alegria e esperança. Mas, para mim, talvez esse final de ano seria diferente. E pensei: Como eu enfrentaria aquele novo ano? E de repente, passou pela minha cabeça que talvez eu não pudesse mais realizar essas coisas banais. Será que eu poderia atravessar a rua, ir até o shopping, comprar os presentes, preparar parte da ceia para levar à casa de minha irmã, como fazia todos os anos? Naquele momento, com um aperto no peito, refleti sobre o quanto não percebemos como esses pequenos atos podem nos fazer tão felizes.

Ontem, com a primeira consulta ao oncologista, confirmou-se que seriam necessárias muitas sessões de quimioterapia, em razão de ter sido diagnosticada com um carcinoma triplo negativo, um câncer de mama muito agressivo, que responde somente a esse procedimento.

A seguir, voltei a olhar as luzes lá fora, imaginando como os cabos de energia elétrica suportavam tanta carga ao mesmo tempo. E essas ideias me levaram a pensar como meu corpo aguentaria tantas sessões de tratamento.

Muito debilitada, tinha acabado de sair do hospital, uma internação que durou 30 dias por complicações pós-cirúrgicas. Um coágulo de 70ml havia rompido em meu seio esquerdo, fazendo com que contraísse uma infecção generalizada, uma septicemia, alterando o funcionamento de todos os órgãos, inclusive o pulmão, o que ocasionou problemas graves de respiração. Mas foi quando acordei da quarta cirurgia, em um lugar que não sabia onde, ouvi vozes dizendo: ela não está respirando, não reage aos medicamentos. Está entrando em choque!

Foi nesse instante, que repeti para mim mesma: esse ela não sou eu, vou sobreviver. Apesar de não conseguir falar, porque talvez estivesse em estado de subconsciência ou sonolência profunda. O fato é que acordei no dia seguinte, no quarto do hospital, com uma máscara de oxigênio. Tentando tirá-la, ouvi a voz de minha irmã, dizendo para eu aproveitar aquele ar puro.  Com isso, ela tentava me animar, e me dei conta do quanto era privilegiada em possuir sua companhia.

Esses pensamentos me trouxeram de volta à sala de minha casa e pude notar que a árvore de Natal já estava montada. Alguém a fizera por mim. E mesmo assim, com um suspiro profundo, caí em lágrimas. Aquele foi um momento delicado, em que duvidei se conseguiria vivenciar essa nova fase. Mas, ao pensar em quantos obstáculos já havia ultrapassado, resolvi encará-la e a maneira como o fiz é o contarei a vocês, nas próximas páginas da vida.

Veja também:
Read More
Pular para o conteúdo