Era uma manhã de março de 2016, uma como tantas outras difíceis que passei, enquanto fazia as sessões de quimioterapia.
Contava até três e me encorajava a sair da cama e ir até o banheiro. Era nesse espaço que eu encarava o grande vilão, o espelho. Aquele dia foi ainda mais difícil do que os outros. Olhei para minha imagem e não me reconheci. Estava acostumada com a falta dos cabelos, mas agora não possuía nem sequer um pelo no corpo. Sem sobrancelhas e com olhos avermelhados, me senti igual a um coelho paralisado, à frente de um predador. O que fez a minha autoestima, já bastante abalada, cair ainda mais.
Diante disso, eu precisava fazer alguma coisa, e um bom começo seria compreender melhor aquela doença. Foi então que busquei ajuda de uma ONG, Unaccam1, para entender melhor sobre o câncer de mama, mas ainda não sabia que o curso oferecido não era só para pacientes curiosos como eu. Tratava-se de um programa para capacitação de voluntariado, com duração de quatro meses. Eu quase desisti no primeiro dia, mas hoje sei que o acolhimento das pessoas pertencentes àquele grupo foi responsável pela minha permanência. Esse curso serviu para não só adquirir conhecimentos, como também conviver com várias pessoas que gerenciavam ONGs e já eram voluntárias, além de pacientes. Ao assistir algumas aulas, despertou em mim o desejo de ajudar. No início, minha contribuição seria arrecadar doações para essas ONGs, que mais tarde se tornariam minhas parceiras. Na ocasião do meu aniversário, ao invés de presentes, solicitei aos amigos e familiares que me enviassem kits de higiene básica, que foram doados a pacientes do Sistema Único de Saúde – SUS. Com isso, aprendi que ações como essa me trazem prazer, tornando-se um projeto de vida. Foram esses planos que me fizeram levantar melhor nas manhãs seguintes. Assim, nasceu AMMELLO (que nada mais é que a minha assinatura), e com ela, a necessidade de um site para contar um pouco da minha história e dar credibilidade a quem não me conhece. O projeto cresceu, e com ele novas campanhas são realizadas, mês a mês, conforme as necessidades das ONGs parceiras. E não parei por aí.
Foi quando, após uma visita inesperada da minha afilhada de cinco anos, que ao me ver careca, ficou muito assustada, senti a necessidade de explicar o que estava acontecendo comigo. Essa cena não me saiu da cabeça, por dias. E foi então que surgiu a ideia de escrever um livro para apoiar as famílias que passam por essa doença. Considerando que escrever para crianças é mais difícil do que para adultos, por elas ainda não possuírem o discernimento dos fatos, fiz dez versões do mesmo. Consultei duas psicólogas e um oncologista, que com seus pareceres, contribuíram para enriquecer a história. “Cabelos vão, cabelos vem. O que é que a mamãe tem?” trata-se de um livro de ficção, baseado em fatos reais, vivenciados por mim e minhas filhas, trazendo cenas reais. A protagonista, Clara, de cinco anos, conta suas experiências, após a mãe ter sido diagnosticada com câncer. O enredo passa mensagens de amor e solidariedade ao próximo, o que o torna indicado para todas as idades. A obra faz parte desse projeto social, e todo lucro é revertido para as ONGs parceiras. Além de ter o compromisso de enviar os originais às famílias que necessitam de apoio.
A fim de ilustrar ainda mais o projeto, tive a ideia de trazer os personagens do livro em forma de bonecos de crochê e pano, confeccionados por pacientes oncológicos. O que lhes oferece além de ajuda financeira, um projeto de vida.
E os planos não param por aí! Aguardem as próximas páginas da vida…
1 A UNACCAM foi criada em 29 de agosto de 2001 com o objetivo de atuar no combate do câncer de mama em todo o Estado de São Paulo. Essa instituição é composta por donas de casa, aposentados, estudantes, professores, médicos, advogados, psicólogos, pedagogos, jornalistas e profissionais liberais que se identificam com o objetivo proposto. Mais informações no site: http://www.unaccam.com.br/