Debruçada sobre o beiral da janela, olhava as luzes que piscavam. Era uma quantidade absurda, o que tornava a rua toda iluminada. Lá fora, jovens cantavam em grupo, crianças passeavam de mãos dadas com seus pais, pessoas passavam com sacolas nos braços e esbarravam-se, atropelando umas às outras. Era Natal. Imaginava como se sentiriam felizes ao comprar aqueles presentes, encontrar seus amigos em festas de final de ano, brindar a entrada de 2016 com alegria e esperança. Mas, para mim, talvez esse final de ano seria diferente. E pensei: Como eu enfrentaria aquele novo ano? E de repente, passou pela minha cabeça que talvez eu não pudesse mais realizar essas coisas banais. Será que eu poderia atravessar a rua, ir até o shopping, comprar os presentes, preparar parte da ceia para levar à casa de minha irmã, como fazia todos os anos? Naquele momento, com um aperto no peito, refleti sobre o quanto não percebemos como esses pequenos atos podem nos fazer tão felizes.

Ontem, com a primeira consulta ao oncologista, confirmou-se que seriam necessárias muitas sessões de quimioterapia, em razão de ter sido diagnosticada com um carcinoma triplo negativo, um câncer de mama muito agressivo, que responde somente a esse procedimento.

A seguir, voltei a olhar as luzes lá fora, imaginando como os cabos de energia elétrica suportavam tanta carga ao mesmo tempo. E essas ideias me levaram a pensar como meu corpo aguentaria tantas sessões de tratamento.

Muito debilitada, tinha acabado de sair do hospital, uma internação que durou 30 dias por complicações pós-cirúrgicas. Um coágulo de 70ml havia rompido em meu seio esquerdo, fazendo com que contraísse uma infecção generalizada, uma septicemia, alterando o funcionamento de todos os órgãos, inclusive o pulmão, o que ocasionou problemas graves de respiração. Mas foi quando acordei da quarta cirurgia, em um lugar que não sabia onde, ouvi vozes dizendo: ela não está respirando, não reage aos medicamentos. Está entrando em choque!

Foi nesse instante, que repeti para mim mesma: esse ela não sou eu, vou sobreviver. Apesar de não conseguir falar, porque talvez estivesse em estado de subconsciência ou sonolência profunda. O fato é que acordei no dia seguinte, no quarto do hospital, com uma máscara de oxigênio. Tentando tirá-la, ouvi a voz de minha irmã, dizendo para eu aproveitar aquele ar puro.  Com isso, ela tentava me animar, e me dei conta do quanto era privilegiada em possuir sua companhia.

Esses pensamentos me trouxeram de volta à sala de minha casa e pude notar que a árvore de Natal já estava montada. Alguém a fizera por mim. E mesmo assim, com um suspiro profundo, caí em lágrimas. Aquele foi um momento delicado, em que duvidei se conseguiria vivenciar essa nova fase. Mas, ao pensar em quantos obstáculos já havia ultrapassado, resolvi encará-la e a maneira como o fiz é o contarei a vocês, nas próximas páginas da vida.

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Autor

  • Anna Maria Mello

    Sou Anna Maria Mello, sou escritora, palestrante, colunista e ativista social, engajada em ações de conscientização sobre o câncer de mama. Entre lenços resgatei minha essência e me descobri como autora, dando início a trajetória que compartilho com você agora... www.ammello.com

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