Na manhã seguinte ao diagnóstico, acordei com a cabeça pesada, meu corpo afundado no colchão, como se estivesse indo em direção ao centro da terra.  Ousei pensar por um instante que o resultado dos exames poderia não acusar nada, e que o nódulo descoberto na mama esquerda não seria maligno. Talvez, poderia não passar de um mal-entendido. Decidida a levantar sem tocar no assunto com ninguém da minha família, fui ao supermercado, ao banco e levei minha filha caçula, Carol, ao fotógrafo para escolher as fotos de seus 15 anos. Isso sim era importante e urgente para uma adolescente.

No fotógrafo, olhava para computador, onde estavam sendo apresentadas as fotos. As figuras pareciam com as que via quando pegava os óculos emprestados de minha avó, e meu pensamento focava no resultado do exame.

Ao sair, deixei a Carol em um ponto de ônibus próximo para ela se dirigir à casa do pai, sem que tivesse ideia do que acontecia. Olhava através da janela do carro a paisagem que passava em câmera lenta; tudo ficava tão distante: as imagens, aquela doença, o câncer, que parecia não me pertencer. Ao chegar em casa, não titubeei em pegar o celular e teclar para minha irmã. Eu não podia mais me calar. Ela se prontificou a conversar sobre o assunto e dirigiu rumo à minha casa. Nos sentamos em frente à TV, e ela desatou a falar, evitando perguntar o que estávamos fazendo ali. Contou dos filhos, escola, cachorro. Reclamou da falta de tempo até para comer. Sem saber o que dizer, fiquei apertando os joelhos com as mãos. Só tinha vontade de me aninhar em seu colo, como quando a criança busca a mãe para se proteger. Embora eu tenha perdido a minha cedo, a lembrança dela, nesse momento, surgiu na figura de minha irmã. Por um instante, tive a sensação de ela estar ali presente, e foi isso que me confortou.

Permaneci imóvel no sofá. Sentia-me cansada como se tivesse corrido uma maratona.  Faltava –me coragem para tocar no assunto. Resolvemos então alugar um filme no canal a cabo. Escolhemos aleatoriamente e não nos atentamos em ler o resumo. Naquele momento, não podia imaginar que o tema se tratava de uma história de um menino diagnosticado com câncer. Conforme o filme decorria, percebemos qual era o tema. Lágrimas escorreram do rosto de minha irmã, e meu corpo gelou por inteiro. Pensamos em dar uma pausa, mas resolvemos assistir até o final. Eu, por ter a curiosidade de saber se o menino iria sobreviver; ela, talvez, por não ter coragem de tocar no assunto.

Quando o filme chegava no final, ouvi a porta da frente bater. Era Julia, minha filha mais velha, que chegara do trabalho, e sem falar uma palavra se jogou no sofá ao lado de minha irmã, cumprimentando-a e abrindo um sorriso amarelo.  Carol, a mais nova, encontrava-se na companhia do pai.

Sem pensar muito sobre o assunto, fui discorrendo sobre outras histórias. Estava ganhando tempo, adquirindo coragem para contar sobre a doença. Quando acabaram as palavras, de supetão, falei sobre o câncer. E a única pergunta que Julia me fez era se eu iria operar logo.

Abraçamo-nos fortemente, e ela não derrubou nenhuma lágrima, o que me fez duvidar se havia compreendido a gravidade da situação. Continuei por alguns instantes imóvel no sofá, ao lado dela, imaginando o que seria sua vida sem mim. Mas ao vê-la mergulhar profundamente nas teclas do celular, percebi o quanto ainda tínhamos que conversar a respeito, e eu ainda deveria contar à Carol sobre a doença, e como ela reagiria? É o que vou contar a vocês nas próximas páginas da vida.

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