Uma questão que aparece com frequência durante surtos de doenças infecciosas é: Quem está em tratamento contra o câncer, ou quem já tratou, pode ser vacinado?

Uma questão que aparece com frequência durante surtos de doenças infecciosas é: Quem está em tratamento contra o câncer, ou quem já tratou, pode ser vacinado? Recentemente esta questão tem aparecido muito em consultas, visto que estamos no meio de um aumento de casos da gripe H1N1.

Para responder essa pergunta são necessários alguns conhecimentos sobre a imunidade, o tratamento do câncer e sobre a composição das vacinas.

Os vírus e bactérias que atacam nosso corpo possuem uma composição de moléculas diferentes das nossas. Nossa imunidade natural funciona identificando essas partes das bactérias ou dos vírus, e assim criando anticorpos capazes de identificar essas substâncias. Os anticorpos, por sua vez, são moléculas produzidas pelas nossas células de defesa, direcionadas contra essas substâncias dos agentes invasores, como uma bala teleguiada. Os anticorpos são produzidos por uma célula de defesa, conhecida como linfócito B, e em seguida despejados no sangue. O anticorpo então circula pelo corpo e, assim que encontra o agente invasor, se gruda a ele. Isto faz com que este agente invasor se torne visível para as demais células de defesa, que então destroem o vírus ou bactéria que está grudado ao anticorpo.

Este processo de identificação da bactéria ou vírus até a produção dos anticorpos leva alguns dias para se completar. Por isso que, em geral, demoramos entre 3 a 7 dias para ficar curados de um resfriado. Os anticorpos feitos desta maneira geram o que chamamos de memória imunológica. Sempre que o mesmo agente invasor tentar entrar no corpo novamente nós já teremos os anticorpos e o sistema imunológico irá destruir o agente invasor antes que ele possa nos fazer ficar doentes por uma segunda vez.

É por causa desta característica da memória imunológica que as vacinas são tão eficazes na prevenção de doenças infecciosas. A ideia é “treinar” as células de defesa com as vacinas para que elas aprendam a combater a doença, sem precisar que nós fiquemos doentes.

Vacinação e câncer.
Existem tipos diferentes de vacinas. Algumas são feitas com vírus ou bactérias mortas. Quando são injetados em uma pessoa, o sistema imunológico consegue reconhecer as partes das bactérias e vírus mortos e fazer anticorpos que ficam “guardados”. Se por acaso a pessoa entrar em contato com o vírus vivo ela já terá as armas para combater a doença, e não ficará doente. Este é o caso das vacinas da gripe, do tétano, da meningite, do pneumococo, da hepatite e do HPV.

Um outro tipo de vacina é feita com vírus ou bactérias vivas atenuadas. Neste tipo de vacina o vírus ou bactéria é modificado em laboratório para ficar bem mais fraco, com pouca capacidade de causar qualquer tipo de doença. Assim quando é injetado o agente invasor não consegue se espalhar no corpo e a imunidade rapidamente consegue destruí-lo, fazendo também anticorpos. Estes anticorpos funcionarão caso a pessoa entre em contato com o vírus ou bactéria normal, impedindo que a pessoa fique doente. Este é o caso das vacinas com BCG, sarampo, caxumba, catapora, poliomielite (gotinha, Sabin), febre amarela e rubéola.

Em geral essa imunidade é permanente, quem já teve uma doença não tem a mesma doença de novo. O que acontece com o caso da gripe é que o vírus muda muito rapidamente, de um ano para o outro. Ele muda tanto que consegue escapar dos anticorpos que nós possamos já ter. Por isso é importante se vacinar todos os anos. Todos os anos é feita uma nova vacina, para atacar essas novas partes do vírus que mudam com o tempo.

Qual é o problema de tomar a vacina durante um tratamento contra o câncer?
A pessoa que está em tratamento pode estar usando medicamentos, como a quimioterapia, que reduzem a imunidade e a capacidade de lutar contra bactérias e vírus. Para estas pessoas, mesmo o vírus ou bactéria atenuado e enfraquecido pode ser um problema. A pessoa sem imunidade pode ficar doente se entrar em contato com as bactérias ou vírus atenuados destas vacinas. Logo, pessoas em tratamento contra o câncer, que estejam com imunidade baixa, não podem de nenhuma maneira tomar vacinas com vírus ou bactérias vivos e atenuados.

Já as vacinas de vírus ou bactérias mortos não são capazes de causar nenhum problema para a pessoa em tratamento. A questão aqui é que talvez essas vacinas não sejam eficazes. Como a imunidade está baixa pelo tratamento, é possível que o corpo não consiga produzir os anticorpos. A pessoa então teria tomado a vacina “à toa”. Para saber se a vacina funcionou a única maneira é fazer um exame de sangue, depois de algumas semanas, e medir a quantidade de anticorpos.

Depois de 3 a 6 meses do fim do tratamento a imunidade volta completamente ao normal. Qualquer pessoa que esteja nessa situação pode fazer qualquer vacina sem nenhum problema.

E o que fazer agora durante o surto de gripe H1N1?
Esta vacina é feita de vírus morto. Não há chance da pessoa em tratamento contra o câncer contrair a gripe pela vacina, no entanto, existe uma chance razoável da vacina não fazer efeito. Pessoalmente eu não vejo nenhum problema em vacinar, mesmo que a eficácia da vacina seja reduzida nessas pessoas. Lembrando que a melhor medida para prevenir a gripe, em quem está em tratamento, é a lavagem das mãos, e evitar o contato com pessoas que apresentem os sintomas de gripe. Ao menor sinal de febre, tosse, ou qualquer outro sintoma que sugira infecção das vias respiratórias deve-se entrar em contato com a equipe médica em que se esta tratando.

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Autor

  • Dr. Felipe Ades

    Felipe Ades é médico formado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com especialidade em Oncologia Clínica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA). Passou 5 anos na Europa onde adquiriu os títulos de mestre no Institut Gustave Roussy em Paris e doutor (PhD) no Institut Jules Bordet em Bruxelas. Trabalhou em diversos aspectos da pesquisa em câncer, desde estudos em laboratório, testes de novos medicamentos com pacientes e políticas de saúde e saúde coletiva em câncer. Atualmente trabalha no Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo. Nas horas vagas é mountain biker e guitarrista amador e aspirante a alpinista.

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