Que tal encerrar o Novembro Azul com uma história de tirar o chapéu? Onde o preconceito passa longe, e o que realmente importa é a SAÚDE. Conheça o Rafael: músico, produtor de áudio, cantor, locutor e dublador, que foi diagnosticado com câncer de próstata em 2013. Mergulhe neste bate-papo e inspire-se:

* Como e quando você descobriu o diagnóstico?
Tudo  começou quando no começo de 2012 fui fazer meus exames anuais com meu amigo e cardiologista Jorge Thiers. Sempre fui uma pessoa com uma saúde muito boa. Sempre fui e sou fisicamente ativo, não sou sedentário. Nunca tive nem unha encravada. Meus exames sempre foram, e ainda são,  os melhores possíveis para a minha idade. Como sempre, ele me solicitou uma série de exames laboratoriais, inclusive o PSA (Prostatic Specific Antigen). Aí começou o problema: PSA= 8,4.  Ele me explicou então que, apesar de todos os meus exames estarem ótimos, o valor de meu PSA estava fora do esperado para um homem da minha idade, que deveria ser de no máximo 4. Explicou também que poderia ser uma inflamação (prostatite), um inchaço da próstata  (hiperplasia benigna), ou o temido câncer de próstata.  Me recomendou procurar um urologista, pois em qualquer das hipóteses não seria bom postergar uma pesquisa mais apurada, pois mesmo na pior das hipóteses (câncer) pelo meu PSA ainda provavelmente estaria numa fase inicial, com possibilidade de tratamento bastante boa.

Uma amiga então me sugeriu procurar o Dr. Sheinkman, professor de urologia da UFF. Fui ao seu consultório, onde ele me examinou, pediu uma ultra-sonografia  e recomendou tomar um anti-inflamatório e realizar um novo PSA. Feito isso, meu PSA baixou e ele me recomendou voltar seis meses depois. Fiz novos exames em 6 meses, 9 meses e um ano. Em março 2013, um ano após a primeira consulta,  meu PSA aumentou novamente. Ele fez novo exame de toque  e então pedi u a biópsia.  No dia 23 de março de 2013 abri o envelope e lá estava a confirmação do câncer.

* Como foi receber o diagnóstico? Quais foram os primeiros pensamentos, sentimentos e sensações a respeito?
O sentimento ao abrir o envelope foi de desespero. Ninguém abre um envelope e vê um diagnóstico desse sem sentir todo o chão sair debaixo de seus pés. É realmente devastador.

* Na época do diagnóstico, você sentiu falta de alguma informação ou suporte? Qual? De quem?
Até acontecer comigo tinha uma boa ideia do que é esta patologia, porém de uma forma bem superficial. Fui então procurar me informar. Voltei ao Dr. Sheinkman para apresentar o resultado e ele me explicou de forma bem didática o que eu tinha, quais as possibilidades de tratamento e o que eu deveria esperar daquele momento para frente. Me disse também que considerando minha idade e estágio da doença, minha melhor chance de cura real seria pela cirurgia. Como não opera mais, me encaminhou para seu colega da UFF, o Dr. José Genilson Alves. Novamente fui à consulta, dessa vez com o Dr. Genilson, e entre as terapias possíveis optei pela cirurgia. Quando o CA está restrito à próstata, uma vez removida, o CA vai junto e não havendo metástase, esse problema está resolvido. É claro que toda cirurgia tem sequelas, mas são infinitamente mais tratáveis do que um câncer metastático.

Não me faltou informação, até porque eu mesmo procurei me informar. Fiz muitas pesquisas sobre o tema. Tomei minha decisão e fui operado no dia 20 de abril de 2013, ou seja, menos de um mês após o diagnóstico.

*Em algum momento você pensou em jogar tudo para o alto e desistir?
De forma alguma. O bem mais precioso que temos é a nossa saúde e nossa vida. Preservar a vida procurando ter saúde é fundamental.

* Em relação ao tratamento. Por favor, me conte tudo que aconteceu, desde o momento que recebeu o diagnóstico até hoje.
O diagnóstico em si não chegou a ser problemático, uma vez que se deu por exames de sangue (PSA), ultra-som, exames de toque e biópsia. O único exame que realmente incomodou foi a biópsia, uma vez que ela causa desconforto por vários dias. Não causa dor na hora, pois é feita com anestesia, mas por alguns dias senti a região dolorida. Mas não é nada que não se possa suportar bem. Quanto ao “temido exame de toque”, tem que ser encarado como um exame médico. Sem ele o médico não pode sentir a próstata. O câncer causa endurecimento em áreas contaminadas, que só apalpando o médico irá sentir. É uma grande burrice, o nome é esse mesmo, não fazer o exame por preconceito. O preconceito pode  matar. O câncer de próstata é uma doença absolutamente silenciosa, até se tornar metastática. Se a pessoa sentir alguma coisa, aí ela, que antes tinha um problema sério, terá um problema muito grave. Esse câncer se desenvolve muito devagar. Muitas vezes o homem tem a doença por alguns anos antes que apareçam sintomas. Eu mesmo  nunca senti nada. Se eu não houvesse fossem os exames, hoje eu estaria com muitos problemas com metástases.

Quanto às opções de tratamento, tinha basicamente essas escolhas:

– Cirurgia:  Quando o homem tem uma perspectiva de vida maior que dez anos, e o câncer ainda está restrito à próstata, a cirurgia é a terapia que tem a maior taxa percentual de sucesso. Superior a 90%. As outras dão mais um controle do crescimento do câncer que cura. Podem curar, mas o índice é bem menor. Tem como sequelas uma incontinência urinária, que pode se permanente ou não. Na maioria das vezes não, mas mesmo se for permanente há tratamento), e a impotência sexual, que também pode ser permanente ou não, mas também mesmo que seja permanente, há tratamento. Logo após a cirurgia alguma incontinência e impotência irá acontecer, mas é normal. Afinal, toda a “zona do agrião” é cortada. Até recuperar demora um pouco. Após dois meses já não tinha mais incontinência e depois de seis meses a parte sexual começou a melhorar.  Como disse na época o Dr. Genilson: Se vc for um tenista e tiver uma fratura exposta no braço, não pode achar que vai operar e jogar tênis dois meses depois. Com terapia certa e paciência tudo se resolve.

– Hormonioterapia: O câncer de próstata se alimenta da testosterona, fabricada pelos testículos. Usa-se o bloqueio da testosterona como forma de “matar” o câncer, mas isso causa uma anulação da libido. Não é impotência, é pior. Não impotência, o cara quer mais não pode. Na anulação da libido, o cara nem pensa no assunto…Quando o paciente é muito idoso, mais de oitenta anos,  é muito usada, pois muitos homens dessa idade já não têm mais uma vida sexual muito agitada e como o CA estará com o crescimento controlado, provavelmente a pessoa irá morrer de outra coisa, mas enquanto durar a terapia a pessoa terá sua libido zerada, e no final pode não curar, apenas controlar.

– Radioterapia: Causa sequelas como incontinência urinária, impotência sexual, enjoos, fistulas anais, etc…e também tem uma boa margem de insucesso.

Considerando as opções que tinha, minha idade na época (58 anos) optei pela cirurgia e não me arrependo. Operei no dia 20 de abril de 2013. Como tinha um bom estado geral de saúde, minha operação transcorreu tranquila e nem tive a necessidade de transfusão de sangue. No terceiro dia tive alta hospitalar e fui pra casa da minha irmã. Lá fiquei mais uma semana. Depois disso fui para casa e eu mesmo fazia os curativos, pois moro sozinho. Após quinze dias retirei a sonda urinária e fui me recuperando com o tempo. Um mês depois já estava trabalhando e levando a vida. O processo de recuperação total levou cerca de um ano, mas hoje estou bem. Às vezes nem lembro que tive isso…

*De todo o tratamento: qual foi a fase mais difícil para você e sua família?
Minha família me apoiou o tempo todo. Passar por isso não é nada fácil. Além de afetar diretamente o doente, afeta todos que estão em volta. Fisicamente foi até mais fácil do que imaginei. Quase não tive dor e minha recuperação foi excelente. O grande baque foi psicológico. Você toma uma porrada! Vê o quanto é frágil e como de uma hora pra outra tudo pode mudar. Houve também uma fase, os primeiros três meses, em que o estresse foi grande. Quando se faz a prostatectomia radical, o esperado que que o primeiro exame de PSA fique próximo de zero, do contrário é indício de metástase. Aí o sofrimento continua, pois outras terapias têm que ser implementadas. Tudo pra mim correu bem e não tive necessidade de fazer nenhuma terapia complementar.   Daí em diante os exames são semestrais, durante cinco anos. Em abril de 2018 farei o último desses exames semestrais. Depois disso, voltam a ser anuais, como antes.

* Houve algo que fazia parte da sua rotina e que atualmente não faz mais? Por quais razões?
Não. Minha vida segue normalmente. Trabalho, me divirto, namoro, viajo, enfim…normal.

* Como era o Rafael antes do diagnóstico e como é o Rafael agora? O que mudou?
Eu antes era tranquilo e de bem com a vida. Quase sempre trabalhei com o que gosto: arte. Tive grandes amores. Tive um filho que só me deu orgulho. Conheci muitos lugares no mundo e fiz muitos amigos.

Depois do diagnóstico, estou tranquilo e de bem com a vida. Trabalho com o que gosto:arte. Tive um grande amor. Tenho meu filho, que só me dá orgulho. Conheci mais alguns lugares no mundo e fiz mais alguns amigos.

O que mudou? Sou mais consciente da minha finitude e absolutamente não dou mais importância ao que não tem importância.

Tudo na vida ensina e acho que sou um ser humano melhor.

* Como você imagina a sua vida daqui para frente?
Pretendo trabalhar, me divertir, viajar, amar, fazer amigos. Viver, enquanto Deus permitir,

* Você acha que a campanha Novembro Azul ajuda a minimizar o preconceitos dos homens sobre o câncer de próstata?
Sem dúvida alguma. Como já disse, o preconceito é burro. A classificação pode ser dura, mas é exatamente essa. Muitos homens, em nome de um machismo burro, não se submetem ao exame de toque que é só isso: um exame médico. É um exame que não dura nem cinco segundos e que pode salvar a sua vida. Se você que está lendo isso vier a ter um câncer de próstata com metástase que não tenha sido diagnosticado a tempo por preconceito, e um em cada sete homens terá câncer de próstata, você irá amaldiçoar o seu próprio preconceito. Eu hoje estou vivo e, tudo indica, curado, porque fiz meus exames.

Pra você que tem esse preconceito e não quer fazer o exame, vou lhe dar uma informação: quando há metástase avançada, uma das últimas alternativas para tentar frear o câncer é a ORQUIDOTOMIA, ou seja, extirpação dos testículos. Isso é feito para que o corpo pare de fabricar testosterona e com isso controlar, não curar, o câncer. Ou seja, em nome de um preconceito você está se arriscando a ser castrado e vai sofrer muito. É melhor um exame de cinco segundos por ano…

* Deixe uma mensagem para todas os homens que enfrentam ou já enfrentaram o câncer de próstata.
Pra você que está enfrentando essa barra, procure conversar com seu médico sobre a melhor opção de terapia. Se abra com sua família e com seus bons amigos. São eles que estão e estarão ao seu lado. Ninguém vence uma guerra sozinho. Cada caso é um caso. Não desespere. Há luz no fim do câncer. Pra você que já enfrentou, estamos juntos!!!

A vida segue!!!!

A vida é bela!!!!!!!!!!

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